O debate acerca da participação do Estado versus a privatização de empresas brasileiras acompanha o Brasil desde o início de sua história. Ao longo dos anos, as diferentes decisões em relação ao tema por parte dos diversos governantes que estiveram à frente do país, denotam grande oscilação entre momentos de diminuição do modelo intervencionista e alta nas privatizações.
Durante o governo de Getúlio Vargas, houve um boom de empresas estatais e o Brasil conferiu ao Estado o status de principal provedor. Nesse período, foram criadas grandes estatais, como a Petrobras e a Vale do Rio Doce. Com o crescimento desordenado e os impactos gerados a todos os setores econômicos, no entanto, o modelo precisou ser revisto e deu espaço para a era da privatização.
Foi a partir da década de 1990, durante o governo de Fernando Collor, com o surgimento do Programa Nacional de Desestatização (PND), e posteriormente, na gestão de Fernando Henrique Cardoso, que as privatizações chegaram ao seu ápice. Além de grandes companhias, como a Telebras, também foram criadas pequenas empresas estatais — um total de 27, maior número durante o mandato de um mesmo governante.
A questão da privatização é premente na sociedade e divide opiniões. Recentemente, diante da crescente movimentação pela privatização de empresas estatais, foi publicada no Diário Oficial da União a Medida Provisória (MP) 1.031/2021, que traz diretrizes e condições para a privatização da Eletrobras e determina que o processo se dará por meio da venda de novas ações no mercado — o que fará com que o percentual acionário da União caia para menos de 50%. O texto da MP estabelece, ainda, que a companhia será acompanhada pela renovação dos contratos de concessão de usinas hidrelétricas da empresa por mais 30 anos.
A Eletrobras, sociedade de economia mista e de capital aberto sob domínio do governo federal, atua como holding do setor elétrico e dispõe controle sobre a geração, transmissão e distribuição de energia. Em razão de sua importância, a discussão sobre a privatização tem ganhado força na sociedade e no Congresso Nacional.
Na Câmara dos Deputados, quatro partidos entraram com ações no Supremo Tribunal Federal (STF) com o objetivo de paralisar a tramitação da MP. A oposição alega que a Medida é inconstitucional, já que não preenche o requisito de urgência e relevância, além de usurpar a competência do Congresso Nacional para apreciar a questão.
As empresas estatais
De forma prática, uma estatal pode ser compreendida como uma empresa que pertence ao governo, podendo ser controlada, total ou parcialmente, pelo Estado em qualquer um dos três níveis governamentais: municipal, estadual ou federal. A configuração das estatais se dá de duas maneiras: como empresa pública ou sociedade de economia mista.
As estatais públicas, como é o caso dos Correios e da Caixa Econômica Federal — principais exemplos de companhias públicas no Brasil —, pertencem completamente ao governo, responsável pela totalidade das ações.
Já as sociedades de economia mista, como o próprio nome sugere, contam com acionistas privados, os quais possuem direito a votos e participação nos lucros. Ou seja, o governo não é o único detentor, embora tenha parte majoritária das ações. É o caso de estatais como a Petrobras e o Banco do Brasil.
As estatais estão presentes nos diversos setores da economia, com grande concentração em áreas de energia elétrica, transportes e petróleo. E embora exista alguma demanda pela desestatização em outros importantes segmentos, como é o caso da saúde e da educação, a tendência é que essas pautas não avancem pelo fato de que dizem respeito a direitos básicos do cidadão, previstos pela Carta Magna, podendo contribuir para uma desestabilização do país.
Um exemplo disso pode ser observado no debate sobre a possibilidade de privatização do Sistema Único de Saúde (SUS) — que suscitou discussões inflamadas sobre o tema em toda a sociedade, sobretudo no último ano com a publicação do Decreto 10.530/20, que incluía a política de fomento ao setor de atenção primária do SUS no programa de concessões e privatizações do governo, mas acabou sendo revogado.
Em 2016, foi publicada a Lei 13.303/16, conhecida como a Lei das Estatais, que dispõe sobre o funcionamento desse tipo de empresa e prevê que até 2026, as estatais terão que ter 25% de suas ações em circulação no mercado. A norma se aplica tanto às sociedades mistas quanto às companhias públicas. Além disso, a lei também traz regras mais rígidas para o processo de licitações, bem como a nomeação de membros e formação de conselhos administrativos e cargos de alto escalão.
De acordo com dados da Fundação Getulio Vargas (FGV), de 2018, o Brasil é um dos países com mais estatais no mundo. Somente no âmbito federal, são 138 estatais. Ao somar as companhias que pertencem aos estados e municípios, esse número ultrapassa 400.
Em 2015, o Brasil ocupava o quarto lugar, em ranking com 39 nações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com 134 estatais da União à época, ficando atrás somente da Índia (270), Hungria (370) e China (51.341). Na comparação com países da América Latina, Colômbia e Argentina possuíam 39 e 59 estatais federais, respectivamente.
O número de estatais brasileiras tem sido, inclusive, pauta de campanhas eleitorais, especialmente por candidatos que defendem a privatização. Além de ocupar espaço no contexto político, o tema transcende às discussões na sociedade e tem grande impacto para os cidadãos — uma vez que, ao pertencer ao Estado, as empresas são, consequentemente, do povo.
A privatização de empresas estatais
A privatização é, basicamente, o processo de compra de uma empresa pública por um agente privado. Ou seja, uma estatal, antes controlada pelo governo, passa a ser responsabilidade integral de quem a adquiriu.
A transferência da companhia do público para o privado caracteriza a instituição como pessoa jurídica comum, administrada por pessoas físicas, no caso de empresários. Esse processo de compra, contudo, precisa atender a uma série de critérios e ocorre, geralmente, por meio de leilões públicos.
O Programa Nacional de Desestatização (PND), considerado um marco regulatório para a privatização, teve procedimentos alterados, em 1997, pela Lei 9.491, que estipula como objetivos fundamentais do PND a reordenação da posição estratégica do Estado na economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor público, a contribuição para a reestruturação econômica dos setores público e privado, o fortalecimento do mercado de capitais, por meio do acréscimo da oferta de valores mobiliários da democratização da propriedade do capital das empresas que integrarem o Programa, entre outras providências.
A decisão sobre quando uma empresa deve ou não ser privatizada permanece muito presente na sociedade. De um lado há quem defenda que a distribuição de responsabilidades permite ao governo atuar onde ele realmente é necessário e o rompimento do laço político colabora para a redução da corrupção, além de gerar melhores resultados, uma vez que o pagamento de impostos pela iniciativa privada é capaz de aumentar as receitas geradas.
Por outro lado, a defesa das estatais se apoia, principalmente, na ideia de que alguns setores da economia são de interesse da população, que não pode ser privada de acesso e, portanto, devem permanecer no domínio público. Além disso, soma-se, ainda, o fato de que a má gestão de empresas privatizadas muitas vezes não corresponde às expectativas, seja em termos de lucro ou de serviço prestado.
Dessa forma, os efeitos e os impactos da privatização de empresas estatais para o mercado como um todo ainda são bastante controversos. No caso das telecomunicações, por exemplo, a privatização possibilitou a universalização de seus serviços e o desenvolvimento de todo o setor econômico.
Apesar do avanço, no entanto, a qualidade dos serviços pelos consumidores tem sido questionada. De acordo com a Pesquisa de Satisfação e Qualidade Percebida 2019, da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), a banda larga fixa é o serviço pior avaliado no país, com média de satisfação de 6,6. A melhor avaliação fica a cargo da telefonia móvel (pós), com nota 7,4.
Nesse contexto, as agências reguladoras desempenham papel fundamental, uma vez que, ao serem responsáveis por fiscalizar e controlar as atividades econômicas de maneira imparcial — se atentando às demandas de consumidores e agentes regulados — cabe a elas a função de disciplinar o Estado e o setor privado e estimular a concorrência e melhorar a qualidade dos serviços prestados.
De olho no monitoramento da privatização
Diante dos impactos que a privatização exerce para os setores da economia no país, com efeitos para a população de forma geral, o lobby se torna uma atividade imprescindível, seja para sociedade civil organizada, seja para empresas que atuam na iniciativa privada.
O caso da Eletrobras é um importante exemplo de como a prática do lobby se faz necessária. Por se tratar de uma MP absolutamente significativa, com potencial para transformar o setor de energia no Brasil, a pressão exercida por atores contrários e a favor da medida, em relação aos tomadores de decisão, pode mudar o curso da tramitação da pauta no Congresso.
Nesse sentido, o monitoramento inteligente das ações governamentais surge como ferramenta fundamental para que organizações possam se municiar de informações de forma mais rápida e eficiente, além de se antecipar em relação às atividades legislativas — processo que contribui diretamente para a atividade de lobby e, consequentemente, para a obtenção de melhores resultados em relação à defesa de interesses.