O regime democrático brasileiro é considerado, ainda, um capítulo recente na história do país. Apesar disso, o direito fundamental do cidadão à participação política – garantido pela Constituição Federal, em 1988 –, sobretudo em relação ao sistema eleitoral adotado pelo Brasil, tornou-se referência.
Recentemente, os cidadãos brasileiros foram às urnas para dar início às eleições municipais e o que se viu foi uma série de novas medidas tecnológicas implementadas tanto para trazer ainda mais segurança à votação, aprimorando, assim, o processo eleitoral como um todo, como para possibilitar à sociedade uma participação de maneira mais fácil e inclusiva, fortalecendo, dessa forma, os princípios democráticos que regem o país.
A adoção de recursos tecnológicos no sistema eleitoral brasileiro não é novidade. Desde 1996, quando as primeiras urnas eletrônicas foram utilizadas, ainda em fase de testes, o país vem investindo continuamente para o aperfeiçoamento do processo. Nos anos 2000, o voto eletrônico foi instituído em todo o território nacional e representou uma grande conquista para o país, especialmente porque possibilitou que o Brasil saísse na frente de grandes potências tecnológicas, como os Estados Unidos, que mantêm a votação em cédulas de papel na maior parte de seus estados até hoje.
Dessa forma, a adoção da urna eletrônica pode ser considerada o primeiro passo para colocar o sistema eleitoral brasileiro em destaque no cenário mundial, o qual também ganhou notoriedade pela velocidade das apurações e pela segurança e precisão das informações coletadas. Isso porque o sistema das urnas eletrônicas permite, quase sempre, a obtenção dos resultados no mesmo dia em que as eleições são realizadas e pelo fato de que nunca houve indícios de fraudes desde o início de sua utilização.
Para garantir a segurança dos votos, a urna conta com um sistema desenvolvido exclusivamente pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), sem acesso à internet, bluetooth ou qualquer outra rede de computadores, o que faz com que seu funcionamento ocorra de maneira independente, totalmente isolado, justamente para afastar qualquer tipo de ataque às informações computadas.
Além disso, as urnas eletrônicas contam com registro de votos criptografados para assegurar que o conteúdo não foi modificado ou, ainda, para evitar que haja falha na gravação ou leitura do conteúdo. A criptografia faz com que não seja possível identificar quem votou em quem, preservando, dessa forma, o sigilo exigido no processo eleitoral.
Além das especificações e testes realizados com a própria urna, existem outros cuidados para proteger as informações. No dia das eleições, antes das seções serem abertas, as urnas imprimem um relatório, conhecido como “zerésima”, que indica a listagem de todos os candidatos e mostra que não há nenhum voto computado. Após o encerramento da votação, a urna emite, então, um registro, chamado de Boletim de Urna, com a soma dos votos de cada candidato – o qual é enviado para a conferência dos fiscais dos partidos, em um documento de cópia, que pode ser usado para confirmar os dados da totalização.
Há ainda a Memória de Resultado, gravada em uma espécie de pen drive para uso exclusivo da Justiça Eleitoral. A Memória de Resultado é retirada da urna, embora todas as informações fiquem, ainda, registradas em um cartão de memória no aparelho para fins de backup, e inserida em um recipiente lacrado, assim como a blindagem das urnas, que será encaminhada para o ponto de transmissão. Esse processo é feito pelos Tribunais Regionais Eleitorais (TRE) e enviados para o TSE por meio de uma rede privada. Com a totalização dos votos em mãos, o TSE fica responsável por divulgar os resultados das apurações.
Ao publicar as informações na internet, além de dar ritmo às apurações, o TSE também torna o processo mais transparente, pois tanto os fiscais dos partidos como os mesários podem checar se as informações publicadas correspondem àquelas que foram emitidas pelas urnas. Vale ressaltar que todo esse sistema – dos testes realizados meses antes das eleições até a apuração dos resultados – impossibilita ações de hackers, uma vez que seria necessário fraudar cada uma das urnas e, ainda assim, enfrentar um robusto software de segurança, criado com uma série de camadas de proteção.
As novas tecnologias nas eleições
O voto eletrônico foi desenvolvido, também, para democratizar as eleições. A partir das urnas eletrônicas, cidadãos não alfabetizados, por exemplo, puderam participar do processo eleitoral sem grandes dificuldades, diferente de quando a votação era realizada ainda em cédulas de papel e as pessoas precisavam usar a caligrafia para indicar os candidatos escolhidos. Mas o avanço tecnológico no sistema eleitoral brasileiro não parou por aí.
Nas eleições municipais de 2020, diversos aplicativos chegaram para fornecer mais informações à sociedade e promover o acesso rápido aos serviços eleitorais. O e-Título, criado pelo TSE, consiste, basicamente, na via digital do título de eleitor e mostra o endereço do local de votação, bem como as informações sobre a situação eleitoral. Por ele é possível emitir certidões de quitação eleitoral e de crimes eleitorais, além de possibilitar que o cidadão justifique o seu voto de maneira totalmente digital, eliminando, assim, pendências existentes com a Justiça Eleitoral. Em ano de pandemia, a possibilidade da justificativa remota não gera apenas conforto, mas promove segurança para muita gente.
Aplicativos como o Boletim na Mão e o Resultados permitem que os cidadãos acompanhem a apuração dos votos. O Boletim fornece acesso ao Boletim de Urna de cada seção eleitoral, captando-se os dados via QR Code disponível em cada urna, de maneira prática e rápida – sem, contudo, eliminar o Boletim de Urna em papel. Já o Resultados possibilita o acompanhamento do processo de totalização e contagem dos votos em todo o Brasil, sendo possível realizar consultas nominais, verificar eleitos, filtrar de maneiras variadas, entre outras funcionalidades.
Ainda no contexto dos aplicativos, o Mesário foi desenvolvido para quem foi convocado ou se voluntariou para atuar durante as eleições. Por meio dele é possível obter instruções gerais sobre a atividade do mesário, tirar dúvidas sobre todo o processo, consultar as datas importantes do calendário eleitoral de interesse dos mesários e reunir dicas e soluções para situações que estes colaboradores podem enfrentar antes, durante ou depois das eleições. Isso também agiliza a resolução de problemas e dá ainda mais tranquilidade ao processo eleitoral.
Outras ferramentas, como o aplicativo Pardal, funcionam para que a sociedade possa fiscalizar a ocorrência de práticas ilegais e atuar no combate à propaganda eleitoral irregular. Com ele, é possível fazer fotos ou vídeos e enviá-los diretamente à Justiça Eleitoral. Nesse sentido, as eleições de 2020 contaram, ainda, com outra novidade: a utilização de drones para o monitoramento de ações irregulares. O serviço foi criado pela operação Eleições Limpas, uma parceria da Justiça Eleitoral com a Polícia Federal. Ao todo foram adquiridos mais de 100 equipamentos com câmeras de alta definição, capazes de conseguir imagens nítidas, para flagrar práticas ilegais no dia da votação.
Os drones sobrevoam as zonas eleitorais e podem identificar suspeitos, placas de veículos, entrega de “santinhos”, situações de compra de votos e demais crimes eleitorais. Além disso, as imagens geradas pelos drones podem ser submetidas a processos de inteligência artificial, o que torna possível a leitura de cores e textos, por exemplo, sendo possível identificar partidos e candidatos envolvidos em incidentes.
Para além dos apps e da inovação trazida pela utilização dos drones, duas outras grandes novidades se destacam. A primeira delas é que nas eleições deste ano, os dados das urnas foram armazenados em computação em nuvem privada, eliminando a necessidade da utilização de servidores on premise, individualizados – modelo adotado até então. Muito embora tenham havido atrasos neste primeiro pleito – e problemas são comuns em todo ciclo de inovação, esse mecanismo possibilitará resultados ainda mais ágeis, já que oferecem maior escalabilidade ao sistema de processamento de dados, sem mencionar que trazem ainda mais segurança à transmissão e integridade dos dados.
A segunda novidade é que, pela primeira vez, eleitores com deficiência visual puderam ouvir o nome do candidato que escolheram após digitarem o número correspondente na urna. Antes, os eleitores precisavam contar com a presença de outra pessoa que pudesse informar se o número por eles digitado de fato correspondia à foto que aparecia na urna eletrônica antes da confirmação.
Apesar das urnas já contarem com representação em braile nas teclas, a presença de acompanhantes ia na contramão do princípio do sigilo do voto. Agora, deficientes visuais recebem fones de ouvidos e podem se apropriar do processo de votação de maneira integral. A mudança, ainda que simples, é revolucionária e mostra como a tecnologia pode aprofundar incrementalmente o exercício da cidadania – e isso mesmo utilizando tecnologias antigas, como neste caso.
Ainda no contexto da acessibilidade, vale lembrar que o TSE, por meio da Resolução TSE 23.381/2012, instituiu o Programa de Acessibilidade da Justiça Eleitoral, cujo objetivo é implementar medidas para a remoção de barreiras físicas e de comunicação, possibilitando que pessoas com mobilidade reduzida possam escolher locais de votação mais acessíveis – além de estabelecer preferência no momento da votação para estes eleitores.
No último ano, esse projeto conferiu ao TSE o prêmio internacional Zero Project 2019, na categoria “Melhores práticas e políticas inovadoras mundiais na área de vida independente e participação política de pessoas com deficiência”. A premiação ocorreu na Conferência Zero Project 2019, realizada no escritório das Nações Unidas (ONU), em Viena, na Áustria.
A criação de projetos voltados aos cidadãos e o investimento contínuo em tecnologias para o aprimoramento do sistema eleitoral brasileiro garantem à sociedade o exercício de sua cidadania e fortalecem os pilares democráticos do país, fomentando a inclusão de todas as pessoas no processo e estimulando a participação política para a construção de uma democracia cada vez mais sólida.