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Eleições 2020: entrevista com Fabiano dos Santos

Atualizado: 24 de fev. de 2023

A Inteligov lança hoje (05/10/20) um novo serviço exclusivo para usuários da plataforma. Em parceria com a consultoria política Poliarco, oferecemos uma análise semanal sobre as eleições municipais deste ano. Para esse lançamento, convidamos o cientista político Fabiano dos Santos, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – IESP-UERJ e sócio da consultoria. Conversamos com ele sobre o cenário eleitoral.

Sobre as eleições municipais no Brasil, adiadas para novembro, queria entender como o mapa das eleições municipais está se desenhando.


Acho que a primeira coisa importante a se levar em consideração é a distribuição dos partidos nas prefeituras. Desde 2016 ainda estamos convivendo com o impacto dessa mudança que eu vou comentar um pouco mais para frente. Mudou muito em relação ao que se estava desenhando até então. O maior número de prefeituras até ali era do PSDB, seguido pelo PMDB e em terceiro o PT. Depois vinha o PP e DEM e a trajetória desses partidos todos era de queda, com crescente predomínio do PT. Consequência, é claro da capilaridade que o PT adquiriu por força de suas vocações como partido e, por outro lado, pelo controle do governo central, com várias políticas de transferência de renda.


Isso fez com que o PT atingisse lugares em que não imaginava, chegando mesmo a fazer frente ao PSDB, que permanecia bem colocado, graças à inércia do período presidencial de FHC. O que acontece com o impeachment, em 2016: o PT passa a ter uma marca muito controversa. Houve uma queda muito acentuada do número de prefeituras controladas pelo PT em 2016. O grande causador pode ser o problema na marca, ou a grande movimentação de candidatos para outros partidos. 2016 foi um grande ponto de inflexão.


O PT caiu do 3º partido com mais prefeitos para 6ª. Parte disso, certamente, pela interrupção do apoio eleitoral, mas também como resultado da migração dos políticos que estavam amedrontados para outros partidos. Eu acho que essa foi a grande inflexão que ocorreu nas eleições de 2016. Como existe uma grande inércia nas eleições locais, o mapa acaba não mudando muito. O que temos: quem tem mais dinheiro para propaganda atualmente é o PSL, resultado da campanha de 2018. Se isso se mantiver, o PSL pode se tornar um ator que nunca foi. A força do fundo partidário e da TV pode ter um impacto grande na história.


Agora, essa é a historinha que de 2018 para cá que não foi o real, não funcionou nas eleições nacionais. A gente sabe que vai ter uma inércia, alguns partidos fortes se manterão. A grande pergunta é: o PSL vai conseguir eleger alguém por conta do alto valor que vai receber do fundo eleitoral? Outra pergunta: o PT vai recuperar o fôlego, e reverter algum dos espaços onde já foi influente? O PT precisa da capilaridade da marca; é um partido que ainda vai tentar usar da marca para as eleições municipais. E a última pergunta é: Bolsonaro vai conseguir influenciar nas campanhas municipais? Candidaturas do tipo conservadora, vinculadas às polícias, terão força? Esta é uma outra questão que aparece nesse mapa que estamos tentando vislumbrar.

Sobre a alteração na legislação para o envio de recursos para candidatos negros, você acha que vai ter algum impacto significativo? O que pode vir dessa nova política?


Em primeiro lugar, é muito cedo para falar. Em segundo, ainda existe muita desconfiança sobre a lei, por ser uma lei que é inspirada pela desvantagem histórica que a população negra tem no Brasil. Num aspecto comparativo com as vagas de gênero nas eleições, o exemplo que temos é o de que os partidos passam a cooptar candidatos não intencionados em concorrer para preencher a lei, respeitar o que é pedido, e na hora da votação, as candidaturas mais bem posicionadas acabam se elegendo.


Minha impressão é a de que novidades estão ocorrendo. Acredito que existe um movimento negro no Brasil forte, amplo, plural e politicamente engajado. E acredito que a lei é importante. Mas eu tenho razões para não acreditar no efeito puro da lei. Se alguma mudança de fato acontecer será mais por conta da força dos movimentos sociais, do que por conta da lei.


A lei é usada pelos partidos para a diversidade de perfis, mas isso não impacta diretamente na decisão do eleitorado sobre quais são as candidaturas que serão votadas. Essas continuam sendo as mesmas, pois têm visibilidade e rede construídas. O partido depende das candidaturas fortes, as candidaturas fortes, trazem o fundo e possibilitam o quociente eleitoral.


Sobre isso, não sei se vocês já sabem, mas agora, nas eleições municipais, as coligações estão proibidas para as câmaras de vereadores. Os partidos deverão concorrer sozinhos, por eles mesmos. Na análise política, já existia uma crítica muito forte às coligações. Essa vai ser uma primeira experiência. Por que quando um partido se coliga, isso era considerado ruim?


Quando um partido se conecta ao outro, suas listas se tornam uma lista só, como se a coligação fosse um único partido. Junto a isso, existe uma coisa que se chama quociente eleitoral, que é a divisão dos votos válidos pelo número de cadeiras disponíveis. Um partido só elegia seus candidatos se, na soma dos votos, o partido receber, no mínimo, o equivalente ao quociente eleitoral. Os pequenos partidos se uniam aos grandes e davam apoio aos maiores para a eleição majoritária (o poder executivo); vários partidos que sequer conseguiam alcançar o quociente, passaram a se beneficiar dos votos dados aos grandes partidos por conta das coligações.


A ideia da nova lei seria não permitir essa fragmentação artificial. Os partidos dependerão dos próprios votos para conseguir vagas nas câmaras. Mas o que vemos em um primeiro momento, ao invés desse efeito esperado no médio e longo prazo, é o contrário. Aumentou o número de candidaturas para prefeituras e a fragmentação no executivo, porque esse tipo de disputa puxam a disputa para o proporcional. Então, os pequenos partidos estão decidindo lançar candidaturas e não coligações. Ao longo do tempo, a gente precisa ver como a lei decanta. Nos efeitos mais longevos, vai haver uma acomodação da intenção da lei.

Quanto ao efeito no sistema partidário dessa mudança. Se por um lado o efeito da lei é tentar deixar os partidos muito consistentes, menos fragmentados, você não acha que pode ter um efeito contrário, no sentido de ter partidos menos consistentes em termos de propostas, ideias e valores? Vai acabar fazendo com que consolidando em menos partidos, tenhamos partidos menos consistentes nesses aspectos?


Isso é uma ótima questão, mas vamos voltar à essência da lei. A lei quer garantir a existência no parlamento apenas daqueles partidos que fazem o quociente eleitoral por si mesmos. Então a ideia é que os partidos vão ser forçados a construir uma marca própria ou a puxar para sua nominata candidaturas muito fortes.


A estratégia do PT sempre foi fazer uma marca forte, isso sempre deu certo. Os outros partidos tradicionais maiores, nunca tiveram uma marca forte, mas sempre se guiaram pelas candidaturas fortes, embora todos sejam de centro, para a direita. Quando você fala em consistência, se refere à clareza com a qual os partidos defendem uma determinada agenda. No frigir dos ovos, temos o PT à esquerda do centro e os outros partidos à direita. Mas é claro, que isso vem acompanhado de um certo pragmatismo na hora de compor coligações, de fazer pautas.


Eles ficam todos gravitando em torno do Estado em termos de agenda e adotam muita cautela em relação as suas posições. Só para terminar, o grande problema das coligações é a existência dos partidos nanicos, cuja existência é meramente eleitoral. Significado nulo. Isso eu acho que lei vai resolver ao longo do tempo.

Não corremos o risco de que esses partidos sejam cooptados a apoiar as candidaturas majoritárias de formas, digamos, não republicanas?


Sim, aí é ortogonal à lei. Isso deverá ser combatido de outras formas.

Já levando em conta esse contexto, quais temas você acredita que serão mais comuns durante as eleições? Será que esses partidos que serão obrigados a construir uma marca, correndo o risco de gerar mais populismo, dos partidos passarem a buscar pautas sem convicção, apenas para garantir votos?


Aqui temos uma questão que é: qual a pauta em uma eleição municipal? Vamos olhar para as eleições de 2016, por exemplo. PT foi o grande perdedor, saiu de 2º mais votado para 6º, então, todo mundo dizia: “acabou”. Bom, foi para o 2º turno na eleição presidencial e fez a maior bancada da câmara. Então a eleição municipal não foi um espelho do que aconteceria na eleição federal, nacional em 2018.


São dinâmicas e trajetórias paralelas. Paralelas em alguns pontos, mas elas podem vir a se encostar em algum lugar. No caso brasileiro atual, a gente precisa estar concentrado no que está acontecendo no país e que tipo de ligação é possível entre a conjuntura nacional e local. Para mim é um pouco óbvio: a Covid-19 e a avaliação que os prefeitos vão receber sobre o modo pelo qual trataram esse problema. Isso é nacional, isso é um laboratório para 2022.


Para os governos estaduais, se o eleitor estiver preocupado, estiver olhando para isso e for punir os prefeitos pela maior ou menor eficácia em lidar com o problema, vai ser uma sinalização para a eleição de 2022. Pode ser que isso não ocorra. A avaliação dos prefeitos pode não ser totalmente impactada pelo Covid-19 e pode ser que seja largamente impactada.


Uma outra coisa importante é que homogeneamente a questão do desemprego e da informalidade é algo que pesa muito no cenário das grandes cidades, principalmente. Isso tende a dificultar muito a vida do prefeito no cenário relativo à qualidade de vida. Isso impacta muito. Por outro lado, os prefeitos podem ser recompensados se souberem mostrar para a população como trataram a questão da Covid-19. Será uma eleição atípica. Não tem como saber como serão utilizados os espaços de comunicação dos prefeitos com a população.

Você acha que podemos ter uma queda significativa de comparecimento?


Acho que sim. Há a probabilidade de que os mais velhos não votem e de que haja muita justificativa. Sabemos que isso tem um viés. Quem não costuma votar tem um viés de classe. As classes mais baixas costumam não votar e devem votar menos ainda agora. Os efeitos partidários a gente não sabe, mas os efeitos sociais a gente já conhece. Quem tende a não votar. Essa é uma questão que devemos estar de olho.

Você colocou 3 questões no início: PSL, PT e Bolsonaro. Qual é a expectativa em relação ao papel do PR?


O Bolsonaro recuperou bem a popularidade, segundo as pesquisas. Mas temos aqui um problema: os institutos não têm a prática de fazer pesquisa por telefone ou por e-mail, logo a questão metodológica precisa ser discutida. De toda forma, os movimentos que foram captados por todas foram, inicialmente, a queda acentuada da popularidade, até um determinado período e, a partir de alguns fatos, sua recuperação muito forte. A análise política está mostrando que isso pode estar associado ao auxílio emergencial. Portanto, é uma base muito frágil que assim como vem, vai embora.


De todo modo, Bolsonaro tem outras razões para se engajar na campanha municipal. Por exemplo: Rio de Janeiro. Ele quer influenciar lá porque para a família dele é essencial controlar os espaços políticos do Rio. Todos os indícios que podem afetar negativamente a imagem dele e da família, vêm do Rio. Ele tem tido diversas tentativas de influenciar na polícia e na política do Rio, e tem conseguido.


Na eleição municipal o Eduardo Paes é réu, a filha do Roberto Jefferson está presa, o Witzel foi afastado, Crivella também teve uma operação com ele. Então só existe uma candidatura provável no Rio que é o Luiz Lima. As peças vão caindo por força de operações judiciais e policiais que não sabemos por que começaram. Pode influenciar dessa maneira, a pior possível. As peças vão caindo e sobra só o Luiz Lima.


Pouca gente vota e vota de uma certa maneira. O voto depende da oferta, se essa oferta está afetada, você afeta a demanda e o resultado. A estratégia tem sido derrubar a oferta. Ele tem a estratégia de influenciar no Rio e em poucos outros lugares, Nordeste, especialmente. No Nordeste com o lançamento de candidaturas do mesmo perfil: antipolítico, anticorrupção, anticomunista, terraplanista e violência – toda a retórica do Bolsonaro – vamos poder observar se o eleitorado ainda está influenciado pelo que parece ter sido a pauta de 2018. Observar como isso evoluiu. Vai ser um teste interessante em torno do bolsonarismo.

E o Moro? Ele pode ter alguma influência nas eleições municipais?


Acho que não. Acredito que o cálculo político dele se complicou. Ele não deu bons passos.

Desde a saída dele do governo e a cisão que houve no bolsonarismo, entre os fiéis do Bolsonaro e do Lavajatismo? Como isso vai influenciar na eleição?


Essa é uma situação à parte. Existe uma marca chamada “Lava Jato”. Mas a operação no Rio é uma, em SP é outra, Curitiba é outra. E os agentes utilizam os procuradores para diferentes fins, matando uns aos outros. No Rio é o Bretas, juiz. No Paraná, é Moro e Dallagnol. Quem perde no fim, é a política brasileira. Fica tudo uma grande penumbra. Tira a racionalidade do voto. E o setor público perde capacidade.

Com relação à esquerda. PT como incógnita. Ele vai insistir na estratégia de ter candidatura própria, de evitar coligações etc. O que a gente pode esperar da esquerda na eleição?


Eu vejo que a esquerda tem uma desvantagem estrutural. Isso afeta todos os partidos da esquerda. Não só no Brasil, mas em todos os países do mundo. Outros setores do Estado se posicionam contra a esquerda. Isso ocorreu desde a Lava-Jato, na Itália desde a mãos-limpas. E isso tem causas mais profundas que não fazem sentido aqui. A esquerda tem um problema de saída que afeta as estratégias de saída e podem ter influência no comportamento eleitoral.


Especificamente no caso brasileiro, como uma boa parte da influência da esquerda vinha do PT, foi um movimento especialmente afetado. Acho que hoje em dia, o problema do PT é mais de quadro. Falta um bom quadro. Há algum tempo, o PT retirava quadro da sociedade civil, dos movimentos sociais… e tinha excelentes. Essa máquina de reprodução não existe mais. Acho que temos que olhar para esse aspecto do partido. Um partido sem quadro não tem uma boa perspectiva eleitoral. Isso afeta a esquerda como um todo.


Acho que existem quadros na esquerda central preocupados com a dinâmica antidemocrática que vem evoluindo no Brasil hoje, mas a esquerda no nível micropolítico não tem desenvolvido bons candidatos. Como eu vou pegar bons candidatos? A ecologia social disso mudou muito e esse tecido precisa se recompor. Como o PT já é numericamente forte, dentro da esquerda, a influência vai ficar pouco marcante.

Você acha que nessa eleição, numa campanha completamente diferente… Eu vejo partidos tentando passar a mesma mensagem em canais diferentes. Como vai ser essa dinâmica da mudança do meio de comunicação com o eleitor?


A mensagem está afetada pela crise sanitária. Vai ter impacto. Então, a saúde vai ser o grande eixo e o município tem tudo a ver com a saúde. A comunicação vai ter que se adaptar a esse choque externo. Teremos a saúde como pauta, um resquício de militarismo e bolsonarismo entrando com uma forte mensagem de ordem e, por outro lado, partidos com mensagens mais enraizadas tentando manter sua marca.

Um fechamento: Bolsonaro com o legislativo e o impacto que isso tem nas eleições, e se as eleições podem impactar a relação do governo e do Congresso. E o que podemos esperar do governo após as eleições?


A minha tendência é descolar. Participei de um debate nas eleições 2016 em que jornalistas e cientistas políticos discutiam o impacto das eleições municipais e vice-versa. Quando eu olhei as curvas apresentadas ali, vi que eles estavam tentando dizer que o PT teria uma bancada pequena em 2018. Eu disse que era um erro de causalidade. Era uma mera associação, mas você não tinha uma relação real de causalidade. Existem outras relações de causa em outros contextos, mas não diretamente entre as relações municipais e nacionais e a conjuntura é muito dinâmica. Então, por mais que os atores políticos queiram, pouco se pode dizer sobre a relação.


O que pode acontecer é uma substituição de parlamentares eleitos para prefeituras por suplentes. E isso causa uma mudança de quadro significativa na Câmara e no Senado. Mas temos de avaliar caso a caso para entender qualquer mudança.

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