Representar a vontade e as necessidades do povo. Essa é a principal atribuição dos parlamentares em um sistema democrático. Estamos nos aproximando do pleito que irá definir quem ocupará o cargo de responsabilidade máxima no governo, e até agora a única certeza demonstrada por cientistas políticos é que, independentemente de quem assumir o comando do país, lidar com o cenário de forma diplomática será um desafio que exigirá maestria. Qualquer que seja o presidente da República no próximo mandato, não estará livre de debater sobre temas que geram instabilidades na opinião pública.
Em um ambiente extremamente polarizado, onde há de se avançar com critério e coerência para conseguir maiores chances de governabilidade, a tomada de decisão é sensível. Principalmente quando os temas da agenda revelam grande comoção e mostram-se como uma ótima oportunidade para que opositores saiam do jogo com alguma vantagem. Quando a vontade do povo está igualmente dividida entre o sim e o não, há alguma chance de decidir em prol da popularidade?
Em maio deste ano, um estudo realizado pela BTG Pactual, em parceria com o Instituto FSB, revelou quais são os dois posicionamentos mais rejeitados pelos eleitores: candidatos favoráveis ao porte de armas e favoráveis à legalização do aborto. Cerca de 45% das pessoas entrevistadas se sentem menos propensas a apoiar um presidenciável defensor de armas, enquanto 54% disse ter menor propensão a votar em apoiadores da legalização do aborto.
O levantamento mostra como uma única pauta pode ser totalmente decisiva entre agradar e desagradar o seu eleitorado. Além da legalização do aborto e da liberação do porte de armas para a população, outros temas igualmente polêmicos estão em discussão há anos no Congresso Nacional, mas acabam não avançando por não haver um consenso sobre como deve ocorrer a construção ou alteração da lei. Este é o caso do PLS 612/2011, ou como mais conhecido, Projeto do Casamento Homoafetivo.
O casamento homoafetivo no Brasil não foi garantido por lei, embora tenha sido discutido por mais de vinte anos por deputados e senadores, junto a outros temas relativos ao Direito de Família, que também carecem de uma definição para manter as garantias constitucionais. No caso do PLS 612/2011, da então senadora Marta Suplicy, o texto propunha a alteração da lei para estabelecer como família “a união estável entre duas pessoas”, sem a definição dos gêneros, mantendo o restante do texto. A proposta, apresentada em 2011, foi aprovada em duas comissões, mas não passou pelo Plenário e foi arquivada no fim do mandato da parlamentar, em 2018.
No mesmo ano da apresentação do projeto da senadora, o Supremo Tribunal Federal (STF) votou de forma unânime para que a união estável entre casais do mesmo sexo fosse reconhecida como entidade familiar. A partir de então foram cedidos para a população LGBTQIAP+ os mesmos direitos previstos na Lei da União Estável. Dois anos mais tarde, em 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou uma resolução garantindo o direito ao casamento homoafetivo no Brasil.
Decisões da Suprema Corte
O fato do STF ter deliberado sobre um tema que estava sendo discutido pelo Poder Legislativo pode ser encarado como uma prática de ativismo judicial. Mais precisamente, o ativismo judicial é um termo utilizado para definir a atuação expansiva e proativa do Poder Judiciário ao interferir em pautas e decisões dos Poderes Legislativo e Executivo. Isso acontece, com maior frequência, justamente perante a temas controvertidos na sociedade, como o exemplo citado acima sobre o reconhecimento das uniões homoafetivas.
Nem a lei e nem a Constituição tinham previsto sobre as relações homoafetivas, portanto, várias demandas sociais acabaram sendo feitas pela população LGBTQIAP+, que já vivia uma realidade de constituir família por muitos anos, mas sem a garantia de direitos em relação a patrimônio, pensão e partilha de bens em casos de separação. Foi o acúmulo desses problemas não solucionados pela legislação que levou o STF a tomar uma decisão ativista, utilizando-se de mutação constitucional – quando há a possibilidade de mudar o sentido de uma norma sem alterar o texto – para atender a uma necessidade social.
Além do reconhecimento da união homoafetiva, outros temas podem ser exemplos de ativismo judicial no Brasil, como a fidelidade partidária; declaração de inconstitucionalidade sobre a proibição de progressão dos crimes hediondos; vedação ao voto impresso nas urnas eletrônicas; e a criminalização da homofobia.
Mas o ativismo judicial não acontece apenas no Brasil. Países como Canadá, Colômbia e Estados Unidos também tiveram decisões ativistas proferidas pelas Cortes Supremas. A Suprema Corte do Canadá declarou como inconstitucional o tema sobre os Estados Unidos realizarem testes com mísseis em solo canadense. Já a Corte Colombiana deliberou sobre a constitucionalidade da consulta popular sobre o terceiro mandato do presidente Álvaro Uribe, e mais recentemente, em 2020, foi o Supremo Tribunal norte americano que deliberou sobre a rejeição de uma nova eleição após a derrota de Donald Trump.
E, embora o ativismo judicial muitas vezes movimente pautas que pedem maior urgência para uma tomada de decisão, o ideal é que os magistrados não sejam os responsáveis por decidir, e nem por interferir sobre a regulamentação de temas pautados pelos Poderes do Estado. O desequilíbrio entre os Três Poderes pode ser encarado como uma fragilidade nas democracias.
Ativismo judicial X Judicialização
Em palestra realizada para o 1º Congresso de Direito Legislativo, o ministro Luís Roberto Barroso destacou sobre a importância de distinguir o ativismo judicial da judicialização: “A sociedade atribui o ativismo ao STF pelo fato de decidirem com base na Constituição. Judicialização são os processos que chegam para o Supremo e que devem ser julgados de acordo com a Constituição. Ativismo são as atitudes que não foram previstas pelo constituinte ou legislador, mas que precisam ser equalizadas pelo STF.”
Então, na prática, o cenário da judicialização acontece quando as decisões são encaminhadas ao Poder Judiciário, pelos Poderes Legislativo e Executivo, como uma maneira de obter uma resolução judicial para uma questão política. No Brasil, muitas vezes ocorre o excesso de demandas de cunho político enviadas ao judiciário, isso porque no sistema convencionado há uma certa facilidade em acessar a Suprema Corte, já que também cabe aos juízes de direito a atuação como juízes de constitucionalidade.
Recentemente, com o objetivo de fortalecer a independência do judiciário, a Constituição e o estado Democrático de Direito, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) divulgou uma carta pedindo ao próximo presidente eleito no pleito de 2022, que a judicialização da política seja desestimulada. Ainda de acordo com o documento, “o desestímulo à judicialização deve servir como uma maneira de privilegiar os processos próprios do Executivo e do Legislativo para buscar a solução para conflitos e divergências”.
Portanto, a judicialização da política não deve ser encarada como uma solução para a defesa de interesses sociais para que não ocorra a descaracterização do próprio sistema democrático, de maneira que o Supremo não deve atuar diretamente na construção de políticas públicas.
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