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O fenômeno Fintech e seu marco regulatório: uma entrevista com Bruno Diniz

Atualizado: 23 de fev. de 2023

A evolução contínua da tecnologia e o consequente surgimento de novos negócios em plataformas digitais impulsionaram a transformação de diversos setores econômicos no Brasil. Prova disso é o crescimento exponencial do mercado financeiro brasileiro e a adesão aos novos modelos de negócio, os quais contribuem para o fortalecimento do setor e são alavancados, sobretudo, pelo investimento em inovação, como as fintechs.


Motivada pela crise econômica mundial de 2008, o surgimento das fintechs revolucionou o mercado financeiro. Consideradas startups financeiras, elas apostam no uso intenso de tecnologia para oferecer serviços digitais inovadores e estão, constantemente, avançando e ganhando espaço no cenário nacional.


De acordo com dados do Distrito Fintech Report, de 2019 para 2020, o crescimento do setor foi de 34% no país e atraiu, ainda nos primeiros meses do último ano, aportes na casa de US$ 936 milhões. Atualmente, o número de fintechs existentes no Brasil é de 828, divididas em diversas categorias, como de crédito, pagamento, gestão financeira, empréstimo, investimento, financiamento, seguro, negociação de dívidas, câmbio e multisserviços.


Além da explosão das startups financeiras, outras grandes inovações marcaram o mercado recentemente, como ocorreu com os casos do Open Banking, que busca tornar o setor mais competitivo e eficiente a partir do compartilhamento de dados entre instituições, e o PIX, novo sistema de pagamentos instantâneos. Mas, para assegurar o funcionamento do ecossistema financeiro, no entanto, é necessário atentar para o ambiente regulatório.


No Brasil, o mercado é regulado pelo Sistema Financeiro Nacional (SFN), que opera regras estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), pelo Banco Central (BC) e pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), e conta com regulação a partir de regras proporcionais à complexidade e ao tamanho de cada instituição.


Além disso, outro importante marco na regulamentação do mercado financeiro foi a aprovação do Sandbox Regulatório pelo BC e CMN, em 2020. O Sandbox consiste, fundamentalmente, em um ambiente no qual companhias estão autorizadas a realizar testes de projetos que levem inovação para o setor financeiro, assim como flexibiliza os requisitos regulatórios durante o período, ao mesmo tempo em que são estabelecidas condições para a atuação a fim de reduzir riscos para todos os atores envolvidos no setor financeiro. A partir do Sandbox, é possível aumentar a segurança jurídica e trazer mais competitividade, assim como fortalecer e aprimorar o ambiente regulatório.


Especialista no mercado financeiro, Bruno Diniz, cofundador da Spiralem, Head América do Sul na Financial Data & Technology Association e professor no curso sobre fintechs da FGV e no MBA da USP ESALQ, fala sobre o tema em entrevista exclusiva. Bruno também já atuou como Presidente do Comitê de Fintechs da ABStartups e foi responsável por trazer o primeiro evento sobre esse mercado ao Brasil, em 2015, e é autor do livro “O Fenômeno Fintech – Tudo sobre o movimento que está transformando o mercado financeiro no Brasil e no mundo”.

Confira a entrevista abaixo.

Sabemos que você é bastante influente na área de fintechs, inclusive lançou um livro sobre o tema. Poderia nos contar um pouco sobre a sua trajetória?

Eu entrei pelo mercado financeiro tradicional, em um programa de trainee da seguradora do Unibanco. Depois disso, com a fusão com o Itaú, eu fui para a área de Wealth Management e, depois, parti para um banco médio chamado Indusval. E foi quando eu comecei a ingressar muito pesadamente nas startups, paralelamente ao trabalho que eu já realizava no banco.


Nesses fóruns eu percebi que a discussão era muito ampla sobre o conceito de startup, por mais que o ambiente de startup não tivesse nascido ali, mas considerando a época, em torno de 2010, a gente via a coisa ainda incipiente. E com o passar do tempo, em 2013, eu vi a verticalização acontecendo lá fora, o nome fintechs surgiu pela primeira vez nessa época e percebi que havia algo diferente. Foi quando eu fui para o exterior e rodei nessas praças e vi que havia um movimento de fintechs e entendi que eu precisava trazer algo nesse sentido para as discussões aqui.


Em 2015 eu fiz o primeiro evento de fintechs no país voltado para a informação e percebi que havia muita demanda, pessoas que queriam falar apenas sobre fintechs. A partir daí fomos nutrindo essa comunidade e o Fintechs Talks virou uma marca minha. Daí começaram as evoluções, eu saí do Modal, o último banco no qual eu trabalhei, e comecei a ser requisitado para dar algumas consultorias. Montei a minha própria consultoria e passei a atender, desde então, órgãos governamentais estrangeiros e empresas do segmento financeiro em assuntos relacionados à inovação.


Em 2016 veio um convite da ABStartups para liderar a vertical de fintechs, o que fiz até o começo de 2020, e na linha de representatividade eu estou agora representando a FDATA (Financial Data and Technology Association), que é uma organização do Reino Unido para implementação de Open Banking. Também foi em 2016 que eu comecei a dar aula na FGV e USP.


Sobre o livro, eu também dou muitas palestras com base nele e a obra surgiu quando eu recebi o convite da Alta Books no final de 2016. O livro era para ter saído antes. Na época havia eu e outro convidado que seria o coautor, mas acabou que apenas eu fiquei. Na hora de pensar em como articular tudo, eu tentei olhar, de uma forma ampla, algumas perguntas que não estavam tão fáceis ou tão claras de ser respondidas quando tentamos buscar informações sobre o ambiente de fintechs. Eu tentei abordar várias informações que ficam escondidas e trazer isso para mais perto das pessoas.


Além disso também busquei responder perguntas sobre o que é, de fato, esse movimento das fintechs no Brasil e lá fora. Foi uma tentativa também de colocar algo mais direto e que não dê a impressão de uma leitura de algo pesado que possa ser muito técnico, então eu tentei trazer essa leveza, embora em alguns momentos, é claro, não dá para deixar de ser um pouco técnico.

Se você fosse elencar três das principais problemáticas que as novas startups/fintechs irão focar nos próximos anos, quais seriam estas?

Tem muita coisa a ser feita ainda no sentido de inclusão financeira, que eu acho que é um problema que cada vez mais vai ser endereçado e ainda continua sendo um problema grande no Brasil e maior ainda quando você olha para o resto da América Latina, especialmente no México. Estamos tendo todas as condições para atacar esse problema, em termos de ferramental e de infraestrutura e tecnologia, assim como ambiente regulatório. Temos a questão do PIX que faz com que o básico da bancarização possa ser ofertado fora do banco com qualidade. Uma wallet pode suprir as necessidades financeiras de um cidadão tão bem quanto um banco ou até melhor.


A gente tem também o Open Banking, que vai ajudar a nivelar esse terreno, e também temos o Sandbox Regulatório, que é absolutamente importante no sentido de destravar novos modelos de negócios em um formato bem proativo de se implementar novos negócios. O Brasil foi super feliz de priorizar essas pautas e colocá-las em um ano de pandemia. Tudo isso vai dar ferramentas suficientes para que tenhamos uma aceleração da bancarização da população, não acontecendo também só pelo banco ou por uma fintech, mas por empresas de diversos segmentos que vão poder aliar a capacidade dessa oferta.

Em relação ao Sandbox, você consegue apontar como foi esse processo no Brasil?

Eu acompanhei esse processo de perto. Esse interesse de implementar o Sandbox veio, inclusive, da CVM após olhar as experiências de outros países, além do Reino Unido, que foi o primeiro a implementar. Fizemos todo o acompanhamento, muito trabalho de benchmarking, fizemos a consulta pública até o ponto de a CVM de fato materializar isso.


Nós temos nesse grupo de trabalho com o Bacen como também a Susep, que fez o formato dela, e depois o Banco Central. Então, por fim, acabamos fazendo algo que tinha características próprias, mas foi assim que nasceu. Não teve uma única pessoa, nós estávamos naquele laboratório de informação discutindo e com o trabalho de benchmarking o Sandbox apareceu e isso tomou força.

Nós podemos falar de autorregulação desse mercado? Esse contexto que você trouxe pode ser considerado uma autorregulação? Pensando no caso das fintechs é um mercado que está criando a própria regulação?

Não acho que é bem assim, uma regulação colaborativa… Se é que a gente pode colocar assim, porque, na verdade, quando você olha esse processo do Sandbox Regulatório, tiveram muitas mãos envolvidas, várias entidades de classe, academia. Foi muito colaborativo. Quando a gente olha para questão do Open Banking, está sendo assim também. Há uma parte onde as entidades representativas vão participar de diferentes aspectos, mas o Banco Central fica ali como fiel da balança, ajudando a conduzir. Mas não está ali dizendo que é desse jeito que vai fazer e pronto, tem toda essa preocupação de ouvir a sociedade. Algo que também foi feito no modelo britânico, também ocorreu dessa forma.


Então, eu sinto que essa colaboração e a forma como o regulador vem conduzindo isso vem sendo exemplar nesse sentido, porque envolve as partes interessadas que de fato lidarão com a questão e também porque ele não tem todas as respostas. Quando você coloca todo mundo na discussão, você acelera o processo porque consegue encontrar respostas e ponderar visões. Com isso, tem menos chance de ser uma coisa que o regulador joga e depois vem todo mundo bater nessa questão. Toda essa regulamentação ocorre via consulta pública e é muito bem feita. Nesse caso, de regulações mais novas, como o Open Banking, acontecem com a participação de todo mundo.

Ouvimos que os bancos enfrentam perdas significativas em função de startups e corretoras que trazem propostas de investimento cada vez mais competitivas. Na sua visão, como será o movimento dos bancos nos próximos anos?

Eu acho que todas essas inovações que estão chegando são irrefreáveis. Está sendo positivo para a população. Me deixa muito feliz ver o próprio Banco Central puxando essas discussões. Colocar uma competição no mercado não é nada que não esteja acontecendo fora daqui. Acho que as barreiras de entrada para o mercado financeiro caíram muito ao longo tempo, a tecnologia barateou muito, a forma como o cliente é tratado e atingido também mudou muito. Então, é tempo de se adaptar.


É uma ressignificação desse papel que o banco tem no final do dia. Não é um único agente que vai cuidar de uma bancarização, temos vários que podem, inclusive, ter uma percepção melhor da população. Por exemplo, quando você coloca na jogada um Open banking, uma iniciativa da Via Varejo, para fazer bancarização e colocar isso para ser feito de forma digital, o cliente desse público ama muito mais uma Casas Bahia do que uma Caixa Econômica, que também está ali para suprir algumas necessidades financeiras básicas.


Tirando o fato de que temos a Caixa para finalizar vários programas sociais, a gente pode ter um player muito competitivo, que pode fazer diferença na vida desse cidadão. Então começamos a ver a customização, que o banco não consegue ofertar tão bem, na especialização de vários atores de fora do mercado financeiro, inclusive voltados para segmentos específicos. Já vi bancos digitais voltados para o segmento de logística, por exemplo.


Então a partir do momento em que esses atores derem respostas para o setor, com entendimento profundo, não fará sentido para uma empresa de logística estar atrelada a um grande banco. Ou seja, o banco vai ter que aprender a jogar o jogo da cooperação e conseguir adaptar esse momento, sabendo que o market share vai ser reduzido mesmo. Teremos novos concorrentes que vão fazer com que os clientes de fato se beneficiem muito mais e possam consumir produtos e serviços ao seu tempo e com um olhar de entendimento muito maior do que o banco conseguiu fazer.

Pensando no ponto de vista regulatório, você se recorda de alguma situação que foi originada por uma regulação específica, de forma que o setor precisou se mover junto e se mobilizar para parar ou direcionar uma situação? Tem algum exemplo do setor financeiro que te chama a atenção?

Como os processos têm sido muito bem conduzidos, eu não tenho visto isso. Mas quando falamos de coisas marcantes tivemos a questão das IPs (Instituições de Pagamento), que foi algo recente e foi legal. Mas eu não sinto que foi um movimento contrário ou que teve uma forte rejeição. Acho que está sendo super bem tocado e o regulador tem uma política de portas abertas bem feita. É muito mais empurrar do que puxar o freio, então eu não me lembro de nenhuma ocasião assim, não.

Quais são os principais projetos de lei e regulamentações que as fintechs precisam olhar e acompanhar?

Eu acho que todo o mercado financeiro tem que olhar a iniciativa do PIX, que está aí e é uma caixa de ferramentas muito importante para todo mundo que está no setor. Não estou falando de uma regulação, mas de uma infraestrutura. O Open Banking todos têm que estar muito cientes de como vai funcionar, porque isso vai impactar diretamente em como as ofertas são feitas, o respeito à questão da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).


E por fim o próprio Sandbox Regulatório para quem quer empreender e para quem está empreendendo, que pode vislumbrar possibilidades de trazer inovações ou de identificar o que está sendo feito lá fora e que pode ter aderência ao mercado brasileiro, mas também coisas que estão sob observação, que estão acontecendo aqui e que podem ser muito bem aproveitadas. Fundamentalmente esse deve ser o acompanhamento.

O que você acha que teve de lições extraídas da pandemia? Você disse que reagimos muito bem. Quais foram as lições?

Tivemos um impulso principalmente na mudança de hábito. Cada vez mais existem financeiros digitais, a gente teve um movimento absurdo até pela Caixa, o que acaba sendo uma porta aberta inclusive para quem nunca usou serviços financeiros digitais.


Uma das lições foi, de fato, ter um atalho para a utilização de serviços financeiros digitais como nunca vimos antes. Outro aspecto é que todo mundo achava que o mercado de fintechs ia ser machucado, mas ganhamos uma atração de investimentos, houve recordes de M&A no setor em 2020 no Brasil. O setor saiu fortalecido pela mudança de hábito e também pelo regulatório, além da vinda do PIX.


A pandemia mostrou que não tem para onde correr, já vivemos serviços financeiros digitais e será algo cada vez mais presente na vida das pessoas, vindo dos mais diferentes lugares — tanto de bancos como fintechs, empresas varejistas etc.

Hoje se vê muita especulação em cima das criptomoedas. Como você vê esse processo? O que vai se popularizar no Brasil? Quais inovações poderão ocorrer?

O bitcoin eu tenho visto até como uma reserva de valor e um local para onde os investidores estão indo, principalmente quando olhamos para um contexto de impressão maluca de dinheiro que temos tido nos últimos tempos. Óbvio que o bitcoin é usado muito como uma porta para vários picaretas, mas eu ainda vejo o bitcoin mais focado nos casos especulativos voltados para investimentos.


Quando olhamos para a tecnologia blockchain, temos aquele hype, superestimou o potencial, principalmente em 2017, mas a coisa começou a estabilizar. Eu ainda acho que tem muito o que ser feito, tanto do dinheiro programável, mas olhando para outras aplicações práticas eu foco muito para a tokenização, que inclusive está acelerando e tomando corpo com os ambientes de Sandbox, especialmente da CVM. Já sei de alguns projetos que tem foco em tokenização de ativos, que estão pleiteando suas vagas no Sandbox da CVM.


Então, eu acho que tem um grande espaço, que pode ajudar a baratear muito os custos do mercado e facilitar o ownership e também sua transparência, dentro de uma realidade até fracionada. Tudo isso acaba se fundindo com outros instrumentos que temos hoje.

Qual a próxima realidade do Brasil em termos de poder se comparar com outro país em termos de inovação tecnológica para a área financeira?

Eu acho que o próprio Reino Unido. Na verdade, a proximidade que temos vivido com eles desde os vários modelos que eles criaram, como o Sandbox, Open Banking, Open Financial. Então acho que estamos bem perto de chegar ao patamar britânico, o que já é um tremendo ganho — isso quando olhamos para o Ocidente — um ambiente com mais competição, mais liberdade econômica. Estamos mirando para chegar lá.

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