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PL da Anistia: contexto, tramitação e impactos no cenário político

  • Foto do escritor: Anna Carolina Romano
    Anna Carolina Romano
  • há 12 minutos
  • 7 min de leitura


PL da Anistia: contexto, tramitação e impactos no cenário político


No início de 2025, o chamado PL da Anistia tornou-se um dos assuntos mais debatidos no Congresso Nacional. Trata-se de uma proposta de anistia aos envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023, um episódio que abalou as instituições brasileiras. 


A iniciativa ganhou destaque pela sua repercussão política e institucional, dividindo opiniões entre parlamentares, governo, oposição e sociedade civil. Profissionais de Relações Institucionais e Governamentais (RIG), jornalistas e cidadãos atentos à política reconhecem a relevância do tema: além de retomar eventos traumáticos da história recente, o projeto impacta diretamente a agenda legislativa atual e levanta discussões sobre segurança jurídica e preservação da democracia.


A seguir, abordaremos os principais aspectos do projeto, mantendo uma análise objetiva e imparcial sobre seus desdobramentos institucionais.


Os eventos de 8 de janeiro de 2023 e sua motivação


Em 8 de janeiro de 2023, dezenas de manifestantes radicais contestando o resultado das eleições presidenciais invadiram e depredaram as sedes dos Três Poderes em Brasília. 


Nesse episódio, frequentemente descrito como uma tentativa de golpe de Estado, prédios como o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Supremo Tribunal Federal sofreram danos significativos. Vidraças foram quebradas, obras de arte destruídas e equipamentos vandalizados, simbolizando um ataque direto ao Estado Democrático de Direito.


A resposta inicial das instituições foi enérgica: centenas de participantes foram detidos, e processos judiciais foram abertos para responsabilizar criminalmente os envolvidos. Ao longo de 2023 e 2024, o Supremo Tribunal Federal (STF) conduziu julgamentos e condenações desses atos, enquanto uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) investigou eventuais omissões e conivências. A quase unanimidade em condenar os ataques naquele momento demonstrou o compromisso das lideranças políticas com a defesa da democracia​.


Porém, com o passar do tempo, parte do espectro político passou a articular uma forma de perdão institucional aos envolvidos. Essa mudança de postura decorre do entendimento de que algumas punições teriam sido exageradas ou impostas sem o devido processo legal. É nesse contexto que surge o PL da Anistia, apresentado como uma resposta legislativa aos eventos de 8 de janeiro.


O que é o PL da Anistia: origem, escopo e proposta


O Projeto de Lei 2858/2022, apelidado de PL da Anistia, foi proposto por parlamentares da oposição bolsonarista no final de 2022 e ganhou força após os eventos de 8 de janeiro de 2023. 


O texto do projeto busca conceder anistia (isto é, perdão legal) a pessoas acusadas ou condenadas por crimes relacionados aos atos antidemocráticos daquele dia. Seu escopo é amplo: além de alcançar manifestantes que efetivamente invadiram e depredaram os prédios públicos, a redação contempla indivíduos que tenham participado de eventos preparatórios ou consequentes aos ataques, desde que conectados com as ações de 8 de janeiro. 


Em outras palavras, ações políticas ocorridas antes ou depois daquela data, mas em ligação direta com os atos, poderiam ser anistiadas, o que inclui potenciais financiadores, organizadores e até autoridades envolvidas indiretamente.


A origem política do projeto está vinculada ao Partido Liberal (PL) – legenda do ex-presidente Bolsonaro – e seus aliados no Congresso. O ex-deputado Major Vitor Hugo (PL/GO) é citado como autor original da proposta, que foi encampada pela bancada bolsonarista. 


Manifestantes radicais vestindo camisetas verde e amarela durante atos de depredação em Brasília
PL da Anistia ganhou forças após os eventos de 8 de janeiro de 2023.

Em 2025, com a nova legislatura, o PL da Anistia foi abraçado de vez pela oposição como bandeira política. O líder do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), tem sido o principal articulador para impulsionar a tramitação​, argumentando que a anistia corrigiria supostas injustiças nas punições. Segundo Cavalcante, algumas penas aplicadas aos envolvidos foram desproporcionais e feriram garantias como o devido processo legal.


Como funciona a anistia proposta? 


Na prática, se aprovado, o projeto extinguiria as sanções penais, civis e administrativas relacionadas aos delitos enquadrados, impedindo novas ações judiciais e revogando decisões condenatórias já proferidas. 


Críticos alertam que isso incluiria, por exemplo, a reversão da inelegibilidade de políticos punidos pelos atos – o caso mais citado é o de Jair Bolsonaro, que perdeu os direitos políticos por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. De fato, líderes oposicionistas admitem que o PL pretende tornar Bolsonaro apto a concorrer em 2026, anulando efeitos de decisões judiciais. 


Esses pontos ampliam a controvérsia em torno da proposta, dada a sua abrangência inédita e impactos potenciais.


Atores a favor e contra o projeto


O PL da Anistia provocou um realinhamento curioso no Congresso, reunindo apoios e resistências de diferentes campos. Os principais atores a favor e contra o projeto incluem:


A favor


Partido Liberal (PL) e base bolsonarista: liderados por Sóstenes Cavalcante na Câmara, os 92 deputados do PL fecham questão a favor da anistia. A legenda de Bolsonaro vê no projeto uma forma de proteger seus apoiadores e o próprio ex-presidente de consequências legais futuras.


Deputados de partidos do Centrão e base do governo: paradoxalmente, parlamentares de legendas formalmente aliadas ao governo Lula também apoiam a urgência da anistia. Entre as 262 assinaturas coletadas para acelerar o projeto, destacam-se 40 deputados do partido União Brasil, 23 do PSD e 20 do MDB – partidos que ocupam ministérios no atual governo. Além disso, 28 deputados do Republicanos e 35 do PP (ambos considerados independentes) também assinaram.


Contra 


Governo Lula e partidos de esquerda: a base governista (PT, PCdoB, PSOL, Rede, entre outros) posiciona-se firmemente contra o PL da Anistia. O líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ), classificou o projeto como “uma aberração constitucional e uma ameaça à democracia”, acusando-o de ser forjado para “livrar Bolsonaro e seu grupo criminoso da cadeia”.


Presidência da Câmara e líderes institucionais cautelosos: o novo presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), apesar de pertencer a um partido de centro-direita, indicou que não pautará temas que possam gerar crises institucionais.


Ministros do STF e juristas: embora não participem diretamente do processo legislativo, membros do Judiciário acompanham de perto o debate. O ministro Gilmar Mendes, do STF, declarou que o movimento pró-anistia busca beneficiar os “mentores do 8 de janeiro”, sinalizando oposição à ideia de perdoar os articuladores dos atos golpistas.


Tramitação e desdobramentos legislativos até abril de 2025


Desde que foi apresentado, o PL da Anistia enfrentou idas e vindas em sua tramitação. Originalmente distribuído à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o projeto teve sua votação na comissão postergada ao longo de 2023.


Um fato marcante ocorreu em outubro de 2024, quando o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), retirou abruptamente o projeto da pauta da CCJ. Essa manobra retardou a análise, evitando que a comissão votasse o mérito naquele momento. Analistas interpretaram o gesto de Lira como uma tentativa de ganhar tempo e evitar aprofundar divisões durante o ano eleitoral municipal de 2024.


Com a nova Mesa Diretora em 2025, a oposição voltou à carga. Em 14 de abril de 2025, o PL (partido) protocolou um requerimento de urgência para que o projeto de anistia pudesse ser apreciado diretamente pelo plenário da Câmara, sem passar por comissões. 


O requerimento obteve 262 assinaturas de deputados, ultrapassando o mínimo regimental de 257 assinaturas necessárias. Entre os signatários estão parlamentares de 17 partidos diferentes, incluindo mais da metade pertencentes a legendas da base governista, o que evidenciou um constrangimento para o Planalto.


No entanto, coletar assinaturas não garante a votação imediata. Conforme o Regimento Interno da Câmara, após protocolada, a urgência precisa ser aprovada em plenário pela maioria absoluta dos deputados (257 votos favoráveis) para então travar a pauta. 


Até o momento, esse requerimento aguarda inclusão na agenda. Cabe ao presidente da Câmara, Hugo Motta, reunir os líderes partidários e decidir a data da votação em plenário. Motta, como mencionado, tem sido relutante.


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Impacto na agenda legislativa e riscos institucionais


A ascensão do PL da Anistia como prioridade da oposição em 2025 trouxe efeitos colaterais para o funcionamento do Legislativo e acendeu debates sobre precedentes jurídicos. Dois impactos se destacam:


Paralisação de outras pautas importantes


Desde fevereiro de 2025, a Câmara dos Deputados vem apresentando um ritmo lento de votações comparado a anos anteriores. Analistas atribuem esse desempenho abaixo do esperado a diversos fatores, entre eles a pressão pela aprovação do PL da Anistia que tem consumido tempo e energia das articulações políticas.


Projetos considerados prioritários pelo governo acabaram ficando em segundo plano. Por exemplo, a proposta de isenção do Imposto de Renda para pessoas de renda até R$5 mil não avançou na comissão especial; da mesma forma, a regulação das redes sociais e a revisão dos supersalários do funcionalismo permanecem paradas. 


Parlamentares e cientistas políticos apontam que o debate em torno da anistia “monopolizou” a atenção do Congresso, ofuscando discussões importantes e esvaziando a agenda de votações. Em suma, a simples perspectiva de votação da anistia já atua como um fator de obstrução: muitas lideranças evitam avançar em outras matérias enquanto não houver definição sobre esse tema sensível.


Risco de criação de precedentes jurídicos perigosos


A concessão de anistia para crimes dessa natureza – atos violentos contra as instituições democráticas – seria algo inédito na Nova República, e especialistas alertam para as implicações futuras. Deputados contrários ao projeto argumentam que perdoar atos golpistas pode incentivar reincidências.


Esse temor reside no precedente: se manifestantes que tentaram subverter a ordem constitucional forem anistiados por conveniência política, qual mensagem isso passará a eventuais grupos antidemocráticos no futuro? Além do incentivo implícito, há também o aspecto institucional. O líder petista Lindbergh Farias advertiu que o PL da Anistia derrubaria decisões judiciais já tomadas (como as do TSE), ferindo cláusulas pétreas da Constituição e configurando obstrução da Justiça.


Ou seja, o Legislativo estaria sobrepondo-se ao Judiciário para beneficiar um grupo político específico, algo que constitucionalistas veem como uma quebra do princípio da separação de Poderes. Não por acaso, ministros do STF demonstram preocupação com a proposta, temendo a banalização de medidas golpistas e a instauração de uma crise entre as instituições caso o projeto avance.


Vale ressaltar que o Brasil tem histórico de leis de anistia, mas em contextos muito distintos – notadamente, a Lei da Anistia de 1979, que perdoou crimes políticos cometidos durante a ditadura militar, visando a reconciliação nacional após um período de exceção. A situação atual, entretanto, envolve defender ou punir atos contra a própria democracia em pleno regime democrático, o que torna o debate ainda mais delicado. 


Diante da complexidade do PL da Anistia e das múltiplas dimensões que envolvem sua tramitação — jurídicas, políticas e institucionais —, é fundamental que profissionais de RIG, comunicadores e organizações que atuam junto ao poder público acompanhem esse e outros projetos de forma estratégica e contínua. 


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